quarta-feira, 3 de maio de 2006

Nas ruínas...

Houve um momento em que o Quartinho foi abandonado. No fim de tudo.
Foi como se de repente todos (ou quase todos) tivessem fugido por causa de uma qualquer epidemia.
Depois as heras invadiram-no. Entraram pelas janelas. Depois o telhado cedeu porque as traves de madeira foram atacadas por milhões de carunchos.
Dois de nós íam lá de quando em quando. Faziam o ritual sonoro – na esperança de tudo voltar a ser como tinha sido – e saiam. Nada mais acontecia!
As nossas memórias e outras coisas penduradas nas paredes viviam naquele espaço bolorento. Mas íam sendo corroídas à medida que os dias passavam.
Um dia o telhado abateu. Depois foi arranjado. Mas então, o Quartinho deixou de ser o Quartinho e passou a ser um arrumo. As nossas memórias invisíveis ficaram lá (ainda lá estão). As coisas que estavam nas paredes morreram. Algumas, no entanto, ainda consegui salvar...

Um dia, pouco depois da avó ter morrido, fui olhar aquele pombal da minha infância pela última vez. A porta e as janelas estavam abertas. A videira, sob a qual tantas vezes tocámos, tinha crescido e abraçado a totalidade do telhado. Pequenos ramos que levantaram telhas pingavam para o interior como estalactites. Como na selva tropical.

Do que era nosso, restava lá dentro apenas uma caixa de madeira podre, feita há décadas pelo meu pai. Abri-a. Havia alguns fios eléctricos (para o que desse e viesse), havia alguma ferramenta enferrujada, havia um amplificador de marca Leisil, havia um prato-de-choque partido cosido com arame, havia letras de músicas e, para meu espanto, havia fotos que o Rui tinha levado para lá muitos anos antes. Foram feitas para uma exposição no Porto a que ele chamou “Para os meus amigos” ou coisa parecida. Cada foto tinha uma pequena quadra pendurada por baixo por fio de embrulho... um estílo muito “tardes na Pop Arte com pouco que fazer”.

Salvei tudo. Algumas das fotos já "postei". Outras ainda não. Agora "posto" esta porque vem a propósito...

Agudabá!

4 comentários:

Rui disse...

Muito "fora", a descrição da decadência do quartinho!! Apertou-se-me um pouco o coração! :(
A foto é incrível!
Obrigado por partilhares.

(Não tenho o email da Xana actualizado. Talvez ela gostasse de vistar o blog)

H em Stª Apolónia disse...

ela sabe do blog. eu disse. suspeito é que espreita poucas vezes...amanhã digo-lhe.

Sérgio R disse...

Obrigado Xaninha por teres aparecido! É bom ter-te por cá. Esta coisa do blog se não servir para mais nada, serve para nos "vermos" mais vezes e partilharmos coisas fantásticas. E estes reencontros, como diz o Rui, dão grandes apertos no coração!

Rui disse...

Fixe, Xana :)
Tão bom saber que vais aparecendo!...