sábado, 3 de novembro de 2007

pois eu ando a ler isto

é um livro tipo de auto-ajuda que fornece várias perspectivas curiosas sobre a vida. e uma delas tem a ver com a do teu livro, Rui, contestando-a. o autor diz que, no final, todos temos uma espécie de religião: uma forma de entender o mundo e o seu fio condutor a que nos agarramos, à qual nos submetemos ou da qual fugimos (dependendo dos casos) e nem sempre dela conscientes. decidi lê-lo pela sua primeira frase: "A vida é difícil". agora que já vou a meio, acho que nunca me imaginei a ler um livro que falasse de coisas assim: de amor, de desenvolvimento espiritual, de graça.

9 comentários:

Rui disse...

É claro que não vou cometer o erro de discutir aqui a hipótese de deus. É um assunto que situa as pessoas em posições inconciliáveis e de difícil diálogo pela simples razão de se fundamentar numa crença. Crentes e não-crentes têm diferentes exigências quanto à fundamentação da existência de deus e movem-se a esse respeito em territórios muitíssimo diferentes. Existe mesmo, geralmente, uma atitude muito diferenciada na conclusão habitual desse “diálogo”: os crentes exigem o direito ás suas convicções e consideram muitas vezes insultuosa a pretensão da interrogação (essa dúvida está inscrita nos códigos de conduta religiosos como uma das mais graves faltas possíveis) e os não-crentes baseiam a sua argumentação em dados científicos e não aceitam uma fundamentação sem justificação racional.
É verdade que cada um de nós tem uma forma de entender o mundo, mesmo que não lhe chame religião. Estou de acordo.
A aceitação de uma entidade transcendente pode ter imensas formas mesmo antes de se apreciar as diferentes religiões nas suas particularidades. Os panteístas, por exemplo, não acreditam num deus sobrenatural mas usam a palavra Deus como sinónimo não sobrenatural da natureza ou de universo (e da legitimidade que rege o seu funcionamento). É um deus metafórico, sem dúvida, mas tão legítimo como um deus castigador de barbas que conhece os nossos segredos mais profundos e que escreve direito por linhas tortas.
Na vida aparentemente precisamos de nos agarrar a qualquer coisa. E as convicções são essa espécie de corrimão de segurança. A religião é para muitos um desses corrimãos sólidos e serve a muita gente como o melhor dos fios condutores de que falas.
Mas também é fonte de outras coisas.

Mónica (em Campanhã) disse...

interessante o termo "um deus metafórico". fiquei a pensar que eu acho que deus é A metáfora. eu tenho uma espécie de fé num deus que não castiga, mas dança e nos ilumina e ensina um caminho que torna a vida - de todos - melhor. todas as religiões têm pelo menos um pouco disto. depois, todas as religiões têm, pelo menos um pouco, daquilo em falas (a mania do castigo, o fantasma do pecado). são caminhos e existem tantos as diversas formas que os omens têm de compreender o mundo.

mas sabes, não era disto que eu falava. eu falava mesmo de uma forma de entender o mundo que pode até ser "não existe nada de transcendente no mundo", somos e significamos o aqui e agora, nada mais. isso pode funcionar como a minha religião. é mais uma metáfora, claro.

Rui disse...

Sim. Entendo. Também, como todos nós terei a minha. Ela vai-se alterando comigo e é tão mutante como a minha evolução. Adapta-se e molda-se ao sabor da experiência e ao ritmo do tempo que passa pela minha própria vida (não é assim com todos?).
O assunto das religiões sempre me deixou um pouco desconcertado. Como muita gente, necessitei variadas vezes de tentar encontrar um sentido por detrás de algumas coisas, que é uma actividade menos custosa a quem já tem um livro de instruções à mão. É prosaico, mas é já motivo suficiente para respeitar do ponto de vista racional uma opção que muitos tomam e que deve pouco à racionalidade. E a coisa da religião, para mim, pode ir por aí fora…
Hoje vinha no jornal uma notícia sobre um senhor que, por motivos religiosos, recusou transplantes de sangue, tendo vindo a falecer por isso. É o tipo de coisa que me faz enrugar a testa. Custa-me um bocado a encaixar. Mas não me coloca muitas interrogações. Já outro tipo de coisas relacionadas com a fé me faz muito mais comichão. A tal ponto que me fazem atravessar o planeta para as ver de perto, ainda que saiba de antemão que não é a proximidade que me dá respostas. Pelo contrário. Coloca-me as mesmas questões, mas com mais força. – Para perceberes o quanto me é caro o tema deixa-me dizer-te que fui de propósito às Filipinas para as auto flagelações e crucificações da Semana Santa (em 96) e ao Dia dos Mortos em Mixoacán, no México (em 2000). – A Fé é um fenómeno apaixonante! E depois há todo o “aparato narrativo” e o “colorido folclórico” (tente-se ler isto isento de conotações pejorativas) das religiões que também me fascina, confesso.
Não é disto que falavas, bem sei. Mas não resisto, porque vem na sequência.
O deus metafórico de que falava chama-se (chamam-lhe) deus mais por necessidade de denominar do que antropomorfizar (assim como o conceito Mãe Natureza, tão generalizado, é uma denominação eficaz para denominar um conjunto de coisas tão grande e difícil de reduzir). Ele é, realmente, pura metáfora e não tem uma sede ou um livro de conduta como outras entidades transcendentes mais populares. É talvez o mais ateu dos deuses e muito apreciado ao longo dos tempos.
Penso que entendo o que querias dizer quando mencionaste o “teu” livro por oposição ao “meu”. Este, que comecei a ler (estou no principio e com pouco tempo para me dedicar a ele), tentará arrasar a religião no seu todo (entendida como a crença em poderes sobre-humanos e superiores dos quais o homem se considera dependente) para fazer vingar um outro tipo de crença e sistema: a ciência. Estou convencido que o programa do livro é este. É um pouco enfadonho como programa, mas não foi o objectivo que me atraiu, mas a viagem para lá chegar.

Rui disse...

"Estiquei-me" nos comentários.
Entusiasmei-me e falei (escrevi) mais do que o habitual, mas não tanto quanto me apetecia!! :)

Queria só acrescentar, M, que por darmos variados significados à palavra Religião neste diálogo, não quer dizer que não nos entendamos. Só me pus a planar (apoiado numa significação da religião diferente da que pretendias usar) porque me deu para ali e porque é um tema que curto.

Mónica (em Campanhã) disse...

mas eu já tenho a certeza de que nos entendemos, tu não?

sabes, eu tenho uma fé muito pequenina, cheia de dificuldades, (mas que ainda assim me tem tornado melhor) e às vezes sinto-me meia murcona por me dispôr a acreditar em algumas coisas. mas depois penso que se há coisa mais natural no homem, desde que o homem é homem (e só a partir daí), a par com a sobrevivência, é dispôr-se a isso, à transcendência, à procura do sagrado e ao ritual. as viagens de que falas (eu também estive no México no dia dos mortos, e em Chiapas, numa espécie de santuário índio) são expressões dessa misturada de coisas que são as religiões, quanto mais primitivas mais folcóricas. na verdade, o que parece mais difícil encontrar mesmo entre os membros da mesma religião é um fio condutor. em nome da religião cometer-se-ão sempre atrocidades, como em nome da ciência e de muitas outras coisas. far-se-ão também coisas extraordinárias.

sabes, no meu livro dizia-se que a ciência é afinal uma religião... não sei se me ficou a apetecer ler o teu livro, mas não é por ele defender isso, é pelo que disseste. acho que não tenho pachorra para a ciência. sempre me apaixonaram mais as coisas inexactas. estamos muito metafísicos...

Oh Jó, e tu não dizes nada?

disse...

tenho que dizer, tenho. mas agora as leituras (que não estas) e as obrigações de escrita profissional não me deixam tempo.
tenho fé que cá virei depois reflectir sobre o que aqui dizeis (era para escrever "dizem", mas "dizeis" é mais nortenho e sacerdotal...).
em todo o caso não conheço nem um nem o outro dos livros (e para ser muito sincero não me atraem assim por aí além.) as minhas leituras andam mais pela ciência, a antropologia, a etnomusicologia e a história, que são obrigações profissionais. raça, etnia, classe, poder, música, dança, caboverdianidade e coisas afins.
fico agradecido e comprometido pela invectiva.
e mando beijinhos...

disse...

Queridos amigos:
cada um de vocês diz coisas fascinantes e inteligentes sobre a religião e Deus. É tão bom, a propósito de leituras e destes temas, ler-vos e, assim, conversar.
Eu não sei acrescentar muito porque não li nenhum dos livros. Sei que a questão de a ciência se tornar em algo parecido com a religão já não é nova. Aliás, não sei se convosco se passou a mesma coisa que comigo em relação à "superlatividade" e ao "absoluto fascínio e reverência" do conhecimento científico?
À medida que a escola (e a pesquisa informal em experiências científicas domésticas com a espectacular cumplicidade do Sérgio e o Miguel M.) me ia ensinando explicações científicas dos fenómenos, ia-me convencendo cada vez mais que a verdade sobre o mundo e a vida estava era na ciência. Os "cientistas" é que sabiam. Explicavam o que fosse preciso com base na física, na química e por aí fora. Passou-se isso convosco? Foi isso que a mim fez escolher a física como primeiro curso universitário. (e também deixei de ir à missa, mas acho que mais por causa de me deitar tarde ao sábado e ficar a dormir no domingo, do que por não ter convicção na religião). Em todo o caso, ao fim de dois anos em física, as artes e a amizade mudaram-me o rumo académico para um domínio mais "humano" e menos científico e racional (e - há que confessá-lo - no meu caso, menos "chato" no desenvolvimento das competências, ou, dito de outro modo, na maneira de "estudar/marrar". Provavelmente se no curso de física tivesse ultrapassado a fase das matemáticas sem grandes problemas e tivesse chegado à fase dos laboratórios, hoje seria físico.) O facto de ter tido a sorte e a felicidade de vir a fazer investigação científica em etnomusicologia que envolve, para além da música, a perspectiva das ciências sociais e humanas, mostraram-me que a ciência é, afinal, extremamente relativa e nunca "absoluta" no conhecimento que produz. De resto, esta noção que as ciências sociais já há muito incorporaram no seu pensamento, ainda há pouco tempo eram debatidas na Gulbenkian, num importante colóquio frequentado sobretudo por gente das ciências "exactas" designado "Existem limites para a ciência?" E isto - se misturado com a ideia de que a ciência é o saber racional, e o saber racional nega a religião - leva-nos à possibilidade estranha de o saber racional ter limitações e essas limitações serem o entrave primordial à negação de uma coisa como Deus, que é - por definição - ilimitada.
Eu acredito em Deus e vou à missa. E vou estando bem assim. Por imperativo de consciência muitas vezes tenho que criticar a instituição Igreja. Mas aprendi uma coisa com um amigo médico que é católico: ninguém me obriga a ser cristão. Por isso, se cá estou, e quero cá estar, é bom que cumpra as regras... Como costumo dizer aos alunos: "cada um sabe de si, e Deus sabe de todos!"

Mónica (em Campanhã) disse...

oH Jó, escaparam-me esses teus 2 anos em Física!!! acho extraordinário. olha, eu acho que a Teologia é uma ciência tão pouco excata como a Música ou a Medicina e portanto isso de cumprir as regas é uma coisa relativa: acho que temos todos, uma palavra a dizer nessas regras que no fundo são uma construção (terrena) do homem, sempre datada (como se verifica pela história), sobre o divino e o transcendente. o que mais fascina actualmente no discurso dos evangelhos (que podem ser lidos e treslidos de 1001 perspectivas) é a sua perspectiva da primazia do olhar de cada um, exigente, para dentro de si; a ideia do perigo de nos acharmos suficientemente bons; a ideia do perdão que nos é garantido e que devemos garantir e do olhar sempre renovável, sempre recuperável, que devemos ter sobre os outros. estas são as regras a que aderi e acho que tenho aqui TPC para toda a vida.

é bom voltar a conversar convosco.

Rui disse...

"Um pouco de filosofia inclina o homem para o ateísmo, mas a profundidade da filosofia aproxima a mente do homem para a religião."
Francis Bacon