segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Pichelaria

As poucas vezes que tenho ido ao norte nestes últimos 20 anos proporcionam-me quase sempre sensações inusitadas. Grande parte delas têm a ver com o espaço. Logo à partida, a revisitação de alguns espaços (sobretudo os que se mantêm inalterados) atiram-me muitas vezes para viagens no tempo. Outras vezes a constatação da transformação de outros desafiam-me a reagir.
Este sábado, na ida e volta a um casamento de um amigo nosso, dei por mim a conduzir um carro enfiado nuns tubos de esgoto que atravessavam os lugares mais insuspeitos. Tive uma sensação estranha a tentar orientar-me dentro duma canalização de escoamento de tráfego a que já chamaram estradas. Não se tratava desta vez apenas do trânsito a rasgar um campo bucólico que conhecíamos bem ou a alterar a relação que um agrupamento de casas tinha com um outro vizinho. Desta vez senti de forma assumida isso mesmo: a estrada como um cano de esgoto, destinada a escoar, de forma o mais eficientemente possível, os incontáveis cocós que passam o dia a fumegar de um lado para o outro. Tudo isto num território importante para mim, porque diferente de tantos outros territórios: o terreno físico das recordações de infância e adolescência, fértil em referencias e memórias fundamentais. Campo, para mim, da viagem sentimental, da nostalgia e do encontro com acontecimentos primordiais, o contrário, pois, do betão, do alcatrão e daqueles muros isoladores altíssimos que me dificultavam a orientação.

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